terça-feira, 26 de abril de 2011

O arrasta pé da caipira lesada.


Quanta canseira senti quando cheguei em casa. Meus dedos dos pés latejavam. Nunca vi doerem tanto!

O forró estava retado de bom. Dancei a noite inteirinha com meu vestido feito de chita.Minhas marias-chiquinhas com laçarotes enormes completavam a engraçada vestimenta.

Sintam um tiquim de inveja. Olhem, observem, euzinha dançando ao som do famoso Trio Nordestino.Para mim foi um privilégio. Bons e velhos tempos. Eitá saudade !

Lembro dessa noite como se fosse hoje Como diz, o ditado, "recordar é viver".

A AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) da minha cidade, Senhor do Bonfim , cidade localizada no norte da Bahia, e reconhecida pelo melhor Sâo João baiano, lotou para apreciar a voz de Lindú e de seus companheiros, Coroné e Cobrinha.

Vale dizer que o nosso grande Luiz Gonzaga pediu perdão aos outros cantores regionais, mas para o rei do baião a melhor voz do nordeste era mesmo de Lindú. Oxe, nem pensar em contestar o Mestre.

Lindú encheu o salão de alegria quando cantou seus sucessos. O povão delirava, as cadeiras das meninas vestidas de caipira rebolavam no ritmo do xaxado, xote e baião.

O salão ficou repleto, mal dava para arrastar os pés direitim .Era um tal de empurra- empurra , um tal de mexe--mexe, tudo num balanço gostoso do zabumba, sanfona e triângulo.

A espivitada que vos fala exagerou no remelexo e entusiamada cantava a plenos pulmões a música do famoso Trio baiano.

"Morena diz onde é que tu tava
Onde é que tu tava
Onde é que tava tu"

O arrasta pé chacoalhou os esqueletos. Ninguém ficou parado. Oh , trio bom da gota serena .

O povão fazia coro a cada música cantada pelos meninos..

"É chililique,chililique,chililique
Chililique, chililique, a poeira levantar..."

" Mulher na linha, o trem pega..."

Depois de tanto delírio e arrasta pé uma realidade trágica me esperava.

Não se assustem! Sou exagerada mesmo.

O acontecido foi mesmo é devastador. Também com a fama de "broca" e lesada só poderia acontecer um fato doido e absurdo daqueles.

Oh, Santa protetora dos desavisados e sem noção, peço-lhe clemência, os meus pobres pézinhos clamam vossa piedade.

Sentei na cama para tirar as botas que me consumiam os pés .

.A minha agonia se manifestou com a minha desastrosa descoberta.

Oxe, os meus olhos, boca, nariz , e sei lá o quê, estão até hoje aturdidos por tamanha maluquice.

A lesadinha de tudo , a atroada e maluca, dançou a noite inteirinha com as botas trocadas.

Acreditam?

Meus pés estavam achatados e colados.

Com cuidado fui afastando meus pobres e abatidos dedinhos que aliviados pareciam rir insanamente.

A canseira da grande forrozeira a fez desmaiar em seu leito .

Do lado da cama as botas suadas e sujas de poeira velam o sono da desastrada caipira .











segunda-feira, 4 de abril de 2011

As" influênça" que atormentam a vida do bodão taradão.


- Minha fia , seja bem-vinda. Tu sumiu. Parece que se isqueceu dos pobre.

O abraço é forte. Dói até os ossos. Mas, abraço verdadeiro é assim . E Mãe Zezé sabe abraçar como ninguém .A bondosa senhorinha é puro carinho com seus filhos que chegam. E haja "fios". A afeição e receptividade é tanta que Dona Zezé virou a mãezona de todos, principalmente dos mais carentes e desencantados pela vida.

Apesar da bondade quando há necessidade de chamar atenção dos seus filhos, a mãezona é firme, num faz rodeios, esbraveja e põe seus fios nos eixo.

Mãe Zezé já perdeu as contas de quantos meninos ajudou a botar no mundo. Agradece a Deus a sabedoria que lhe fez parteira. Diz sempre que não há coisa mais linda neste mundo que ver uma criança nascer.É uma emoção que não pode ser descrita ,só o coração tem a capacidade de sentir e guardar momento tão sublime.

Naquele mundão de meu Deus, onde a seca é constante , o trabalho duro na roça é uma necessidade. Dona Zezé labutou, e agora beirando os noventa anos se aposentou forçosamente devido as doenças da velhice.

As recordações de tanto trabalho são as mãos e a coluna em petição de miséria. Encurvada, com as pernas inchadas, devido aos problemas de circulação, teima em fazer bolos de puba, bolachinhas de goma e as crocantes paciência no seu fogão a lenha.

Nunca quis fogão a gás. Diz que as suas comidas estranham esses fogões modernos. Ficam com sabor "deferente"!

Com um sorriso nos lábios me acaricia o rosto e me faz dengo . Deito minha cabeça em seu ombro e me queixo de uma bambeira e moleza inexplicáveis.

A passos lento , e consertando o xale que lhe cobre os ombros Mãe se afasta e volta com um molho de folhas de arruda e guiné.

- Isso é quebranto , fia. Mãe vai rezar ocê em nome de Nosso Sinhô Jesus Cristo e da Virgi Maria.

Afoitamente, Zé do Gato , seu bisneto mais velho e um tanto desmiolado das idéias, interrompe a benzeção.

- Vóoooo, o bode tá bulindo nas cabra outra veiz.

Vou com Mãe Zezé espiar o acontecido.

Deparo-me com um bode obeso na dura tentativa de cutucar as cabritas. As bichinhas correm do bicho como o diabo corre da cruz.

O bodão insistente, corre atrás das moçoilas. Zé do Gato se intromete, rala com o taradão.

- Ohhhhh, seu desavergonhado, deixa as cabra sossegá.Tá roncando, bicho safado, Num pode ver as cabrita que quer o impossívi.

Mais próxima a Zé do Gato lhe pergunto:

- Por que é impossível?

Zé fica a matutar uma resposta. Resabiado me responde.

- Dona, é que o bode num tem mais as coisa que as cabrita gosta. Agora fica tudo por conta da influênça.

-Influênça?

O matuto coça a cabeça ,dá uma ridsadinha em que apareçem apenas dois dentes. Sinto que a critura está envergonhada.Tento deixá-lo á vontade.

Mãe Zezé pede que Zé vá dar de comer aos bois e pare com esse conversê.

Viro-me para Mãe Zezé que se encosta no tronco do imbuzeiro, cuja copa tal qual um chapelão, nos dá sombra e nos protege do sol e calor escaldante.

- Mãe , deixe Zé do Gato explicar esse negócio de "influênça". Fiquei curiosa.

Mãe se sacode toda de tanto que ri. Decerto, já sabe da história da tal influença.

Enquanto responde Zé brinca com Brigão , um gato preto enorme que se enrola em seus pés e o lambe.

- Óiiii, o que se sucede é o seguinte: O bode sofre das influênça. Num acredita que num tem mais o fazedor de cabritim. Massssssssss ,as influênça continuam na cabeça do bicho que num há reza que dê jeito na situação. O bodão sofre muito ,pois pensa que tem o membro precioso.

Não aguento e caio na gargalhada.

- Donaaaaa, isso acontece tombém com os veim, aqueles que tão fraquim , mas apreciam as menina em flor. Sem força, os coitado sofrem com a dizalmada das influênça que atormenta seus miolos. É uma tristeza, visse?