domingo, 18 de dezembro de 2011

Onde já se viu Papai Noel negro?





Genaro anda cansado. Precisa relaxar. Mas as preocupações consomem os miolos do jegue solidário. Esteve envolvido na polêmica sobre a construção de Belo Vale e a aprovação do novo Código Florestal. Tudo isso lhe tirara o sossego.

As discussões foram tantas que o nosso ambientalista quer paz. Mas a tristeza da fala do tamanduá paraense Zezão não lhe sai da cabeça. O bicho comedor de insetos pensa na morte dos bichos da região, das plantas e até dos índios que não querem de jeito maneira suas terras inundadas.

Dizem os especialistas que a construção da usina de Belo Monte é uma obra eficiente, que tem que ser feita. E o Brasil precisa de energia, e qualquer nova unidade geradora de energia causa impacto ambiental.

O que um jegue nordestino pode fazer diante de tantas especulações?

O que lhe dói o coração é saber que para tudo na vida paga-se um preço. E às vezes esse preço é alto. Sente-se de pés e mãos atadas. Um sentimento de impotência lhe aperreia seu ser impetuoso.

Cabisbaixo, levanta-se da rede a tempo de ver a arruaça em frente à casa de Didão.

Aturdido vai ao encontro do amigo que impaciente reclama em bom tom:

- Digo e repito: eu não quero ser Papai Noel coisa nenhuma. Isso é intriga de Cavalão. O peste do jegue que se acha cavalo é um fofoqueiro sem vergonha. Ele que não atravesse o meu caminho.

Genaro nunca vira seu amigo sapão tão nervoso. O rosto do sapo-maestro está vermelho de raiva enquanto seu corpo de cururu parece aumentar de tamanho.

As filhinhas gêmeas sapinhas do Cururuzão raivoso empalidecem ao ver o inchaço do pai.

Em coro gritam aterrorizadas:

- Socorroooo, acudammm, nosso paizinho vai explodirrrr!

Tácita, a sapinha pintora e mãe zelosa ,abraçando-as diz em voz suave:

- Minhas meninas, não fiquem assim, o papai só está um pouco nervoso. Logo ele voltará ao normal. Vão para casa. A mamãe promete que cuidará bem do papai de vocês.

Obedientes, e um tanto assustadas, as sapinhas entram em casa.

Discretamente Tácita vai até ao marido e lhe sussurra:

- Esqueceu que é hipertenso queridooo? Quer ter um troço e me deixar viúva?

Didão se recompõe. Genaro com seu jeito brincalhão abraça o amigo com carinho. Dá-lhe, amigavelmente um tapinha nas costas e fala:

- Quanta brabeza, Mestre cururu! Não ligue para o falatório maldoso de Cavalão. É isso que aquele safado de meia tigela quer.

Afinada, a passarinha advogada ,surge toda embonecada. Genaro até torce o pescoço para olhar a esguia passarinha passar.

Risonha, perfumada e de batom vermelho, Afinada se aproxima.

Galante, Genaro se insinua:

- Meritíssima, tu sabes o meu fraco por mulher de batom vermelho. E esse perfume... hum...deixa-me alucinado! Não faças isso comigo. Estou de pernas bambas.

Afinada pousa no ombro do jegue conquistador. Dá-lhe uma bicada forte. Genaro zurra baixinho. Safado rodopia com a passarinha que fica zonza e cai no chão.

Raivosamente, a passarinha mete o bico fortemente em uma das patas de Genaro que zurra alto.

- Pode morder minha princesa, nunca vi dor tão gostosa!

Didão resolve interromper o jogo de conquista de Genaro.

- Rapaz, se aquiete, até a Meritíssima doutora tu canta? Respeite a viuvez da moça. Tu era o melhor amigo do finado, lembra? Controle esse seu fogo, jegue safadão! E fique sabendo fui eu quem mandei chamar nossa amiga. Oxê tem cabimento?

Séria, Afinada chama Didão para uma conversa particular em sua casa.

A multidão se dispersa. Genaro sabe que abusou com suas investidas espontâneas de grande conquistador. Mas, o problema fora o bendito batom vermelho...

Decidido, entra na casa de Didão. Cavalheiro, pede desculpas à passarinha que prontamente as aceita.

A reunião na casa de Didão foi demorada. A escolha do bicho que seria o Papai Noel fica para o dia seguinte.

Democraticamente, os animais votaram em seus candidatos.

Cavalão, nervoso, xinga em voz alta:

- Seus bandos de animais fedorentos de uma figa, vocês nem sequer lembraram de colocar meu nome. Eu vou me vingar. Ahhh se vou! Vão rezando, viu cambada?

A votação se encerra.

Depois de uma hora Afinada anuncia o vencedor:

- O nosso Noel vai ser Pretim o nosso jegue tição!

Cavalão exaspera-se:

- Isso é marmelada...! Onde já se viu Papai Noel preto?

Genaro se contém. Sua vontade é encher a cara de Cavalão de socos.

Mas Genaro não quer sujar suas mãos com criatura tão insignificante. Não vale a pena. O importante é a popularidade do seu amigo.

Com seu jeito simples o jegue outrora tímido e desajeitado ganhara a simpatia da bicharada.

Na véspera de Natal sentado num carro de boi e vestido de verde e amarelo lá ia o Noé nordestino.

Por onde passava o jegue tição exibia com orgulho sua negritude bonita tão presente nas ruas do Brasil.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Meu pedido a Deus na Noite de Natal.





Emburrei-me. Meu cenho se franziu. De nariz empinado retruquei:

- Papai Noel existe sim seus caras de chulé.

A meninada debocha da menina que acredita que o Papai Noel lhe trará mais presentes neste Natal.

- Bobona, o teu Papai Noel não existe mais mesmo. Pode esperar a noite inteirinha que ele não vem. Esqueceu que não tem casa nem família?

Enfureci-me. Voei nos cabelos de Maria Sardenta, a menina grandalhona e com fama de valente.

A “brutamonte” não tinha papas na língua. E, a menina ousada, ferida no mais fundo de sua alma não conseguia conter sua revolta. Tinha que dar uma lição na monstra e faladeira dos infernos.

Rolamos no chão enlameado pelas chuvas dos últimos dias. Viramos moleques de barro dando espetáculo para a meninada que fazia uma arruaça daquelas.

Apesar de minha magreleza aparente, sabia me defender das unhadas e “coques” atrapalhados da menina- gigante.

Ágil, grudei-me ás costas da sardenta e lhe dei uma mordida no pescoço gordo. A fortona deu um berro. Dei um pulo e corri sem destino.

Queria sumir. Ir embora, encontrar minha casa, minha mãe, meu pai e meus irmãos.

Uma dor vinda de não sei onde tomou conta de mim.

Suja de lama me encolhi debaixo de uma árvore num terreno baldio amontoado de mato e lixo.

Senti-me um animal que acabou de se separar de sua família.

Abracei-me e chorei.

Na minha cabeça passa um filme que me aperta o coração.

Era manhã. Acordei com gritos desesperados e cheios de dor vindos do quarto de meus pais.

Aturdida coloquei meu travesseiro entre os ouvidos para abafar aqueles gritos que eu não queria ouvir.

Depois veio um silêncio inquieto e longo.

Descalça, e de camisola, levantei-me levando comigo meu travesseiro.

Arrastando-o fui conduzida a casa de minha tia.

Desse dia em diante meus natais não mais existiram com a minha família.

O meu Papai Noel bem que se esforçou, mas não conseguiu mais mentir a sua não presença em minha vida.

Saio debaixo daquela árvore que me deu afeto silencioso.

Ando a passos largos. Preciso tomar banho. Ficar bonita e cheirosa para a noite que se aproximava.

E essa noite era uma noite especial. Era a noite de Natal!

Abro um sorriso e grito para mim, para o céu, para Deus: “Só por hoje Paizinho do céu traz mesmo que de brincadeirinha o papai, a mamãe e meus irmãozinhos para mim. Faz eu acreditar que isso, essa brincadeirinha é de verdade só um tiquinho, por favor”!

Há uma interrogação em mim.

Olho o céu mais uma vez e complemento minha conversa com o Senhor do Universo.

“Paizinho do céu, eu aceito só sonhar... viu?”