Pretim, cantarola tristemente uma canção de Luís Gonzaga," Apologia ao Jumento".
"O jumento é nosso irmão
Quer queira, quer não.
O jumento sempre foi
O maior desenvolvimentista
Do sertão”.
Desde que a imprensa noticiou a exportação dos jumentos nordestinos para a China uma inquietação tomou conta da jumentada, que não aceita ser comida do povo dos zoim que abelha mordeu.
Genaro, impulsivo e indignado, tomou seu rumo. Foi parar em Brasília com um bando de jumentos, sapos, gatos, cavalos, e bicharadas de todos os reinos animais, que sensibilizados abraçaram a causa jumentista.
Fizeram passeatas, enviaram cartas devidamente assinadas pela bicharada ao poder supremo, exibiram faixas, bradaram palavras de repulsa, e cantaram o hino nacional perfilados diante da Bandeira Nacional, solenemente hasteada por Genaro que de peito estufado se emocionava a cada frase do hino de sua Pátria.
Sem mais delongas, e temendo o pior, o jegue intempestivo, resolve, para desespero dos que o acompanha, ir á China intimidar o povo dos zóio de míope.
Pretim, amigo do peito do destemperado, teme a morte certa do amigo e furioso tenta tirar da cabeça de Genaro tal ideia estapafúrdia!
- Tá doido, jegue desmiolado. Se tu num for comido por lá, vai virar creme nas caras das orientá.
Genaro sabe muito bem o que se noticiou na mídia: os jumentos que forem exportados para a China além de irem parar nos pratos dos orientais, servirão de experiências em laboratórios com finalidades cosméticas.
Ao lembrar se enfurece ainda mais:
- Posso até ser comido pelos chineses, Pretim. Mas não vou desistir de minha empreitada.Não vou deixar meus amigos jumentos serem sacrificados. Eles que serviram fielmente aos sertanejos não merecem este fim, ainda mais em terras distantes. Vou lutar por quem trabalhou de sol a sol pelo desenvolvimento do meu país.
Didão, o sapo cururu maestro, entra na conversa tentando acalmar os ânimos do jegue rebelde. Tece-lhe, então, um longo discurso de convencimento.
- Genaro, tudo vai acabar bem. Garanto que essa exportação não vai sair do papel. Tão dizendo que os jegues estão abandonados e morrendo a míngua. Isso está errado, meu irmão. Precisamos cuidar melhor dos nossos jumentos, deixando-os pelo menos morrer dignamente em sua Pátria mãe. Os homens do poder vão pensar melhor. Acredito meu amigo que os jegues têm serventia, sim. Um exemplo é a asinoterapia. E sendo o jumento um animal dócil, paciente, inteligente, robusto e com outros predicativos, a asinoterapia os usará ainda mais como co-terapeutas para ajudar pessoas com dificuldades motoras, mentais, entre outras enfermidades. Aquiete seu facho. Procure ajudar seus semelhantes por aqui mesmo.
A cabeça do jegue bonitão e salvador da pátria é invadida por um turbilhão de pensamentos. Tem que agir de alguma forma. Seus amigos jumentos esperam dele uma solução. Os pobres animais estão apreensivos.
Com o dinheiro ganho brilhantemente no BBB, o jegue investiu pesado na melhoria da qualidade de vida do planeta e da sua fauna e flora. Com seu jeito atirado se envolvera em movimentos dos quais muitas vezes saíra decepcionado, pois como se sabe:” uma andorinha só não faz verão”.
A colina onde abriga o mosteiro do monge-jumento Zé das Almas dos Espíritos que se Foram está coberta de folhas, é o outono que chegara e deixara um tapete de folhas a enfeitar o caminho que leva a paz e tranquilidade.
Em posição de lótus Zé das Almas nem se mexe. Sente a presença de Genaro. De olhos fechados diz para o jegue entrar.
Uma música suave se faz ouvir. O cheiro de incenso invade o ambiente.
O monge – jumento inicia um mantra.
O monge – jumento inicia um mantra.
Genaro finalmente relaxa. Repete o mantra com seu mestre espiritual.
Subitamente surge um ser encantador. O jegue ambientalista está boquiaberto.
O monge-jegue dá um meio sorriso. Calmamente se aproxima daquele ser divino.
Genaro continua embevecido. Seu coração pulsa rápido. Em toda sua vida nunca vira algo tão belo! Sabe se tratar de um ser mitológico chinês. Uma mistura de vários animais: possui olhos de tigre, corpo de serpente, patas de águia, chifres de veado, orelhas de boi, bigodes de carpa entre outros. Seu corpo é de cores variadas: têm as costas listradas em verde e branco, os lados em amarelo, à barriga vermelha, e traz preso á boca uma pérola simbolizando o elemento feminino, yin.
Long, o dragão ou “dragona”, fixa seus olhos em Genaro que fascinado levanta, faz uma pequena reverência, e fluente em chinês inicia uma longa conversa com aquele ser mítico e até poucas horas atrás impossível de qualquer contato.
Pretim está intrigado. Já é quase noite e Genaro não voltara da casa do monge – jumento. Sabe bem da inquietude do amigo. Com certeza não deixaria sem solução o problema dos jumentos que os orientá querem saborear. Não quer de jeito maneira que seu amigo se meta em encrenca. Teme por sua vida.
A lua cheia aponta na vermelhidão do céu em que a seca se faz presente. O jegue tição observa aquela beleza da natureza e faz um pedido:
- Deus, Nossosinhô. Sem arrudeio vou falar pro Sinhô: ajuda nóis mais um tiquim. Num deixa meus companheiro virá comida pros povo orientá, não. Dá um siná qui isso num vai acontecê.
Um clarão de fogo faz Pretim fechar os olhos. Assustado corre e se esconde atrás de um pé de umbuzeiro.
Escuta a voz de Genaro a lhe chamar.
Ressabiado sai do esconderijo. Um arrepio lhe cobre as costelas, pescoço, braço, o corpo todinho. Seu coração endoidece de tanto que bate. Tropeça, cai ao chão.
O dragão arria. Genaro acode o amigo e lhe sussurra ao ouvido:
- Amigo, vou para a China apaixonado. Falo isso com todo respeito. Mas, estou cheio de amor pelo lado yin do dragão chinês.
Dizendo isso se afaste e monta no dragão. Antes, porém, grita entusiasmado:
- Pretim diga a todos os jegues nordestinos que fui salvá-los dos pratos dos chineses. Inté amigo!
Incrédulo, Pretim olha o céu e vê pertinho da lua Genaro montado no dragão.
Um comentário:
Parabéns...Muito interessante e criativo o teu texto.
Abs
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